Por Marjoriê Cristine - EXTRA
Os pliés, frappés e espacates que começaram numa antiga sala transformada em um espaço para aulas de balé, dentro da Cidade de Deus, comunidade da Zona Oeste do Rio de Janeiro, vão levar três jovens sonhadores a um grande salto, o chamado grand jeté, para Nova York, nos Estados Unidos. Daniel Coelho, de 19 anos, Gabrielle Bezerra, de 16, e Ana Caroline Baptista, de 14, estudam dança na Academia Valéria Martins e ganharam uma bolsa de estudos para Companhia Ajkun, com direito a acomodação e quatro refeições diárias. No entanto, o trio precisa de dinheiro para bancar passaporte, visto americano e as passagens, e lançaram uma vaquinha online para arrecadar, inicialmente R$ 15 mil para pagar essas despesas urgentes. A previsão é que a viagem aconteça no início de junho de 2021.
Os alunos foram chegando e o espaço ficou pequeno para tantas crianças e adolescentes, que frequentavam uma vez por semana o local. Aos poucos, ela começou a ver o talento em alguns deles e investir nos festivais. Nem mesmo os tiroteios na favela evitaram que ela fosse ensinar a dança clássica, que deu uma nova visão de futuro e de esperança para os pequenos moradores.
— Eu nunca tinha trabalhado em comunidade. Minha sogra transformou um quarto numa sala de balé, com espelho. Comecei a dar aula uma vez por semana. Sós que percebi os alunos mais comprometidos e com potencial, e passei a duas vezes, três e, agora, dou aula todos os dias. Metade dos alunos é bolsista, outra metade ajuda com o que pode, com valores que variam de R$ 15 a R$200, ou até mesmo produtos de limpeza, conforme cada um pode. Daí, comecei a inscrevê-los em apresentações regionais. Bailarinos precisam de palco, mas nunca tive qualquer pretensão. Só queria tirá-los da comunidade — conta a professora.
Diretora se encanta com jovens
Foi em uma dessas apresentações, em 2019, que Daniel foi o primeiro a chamar a atenção da diretora da companhia de ballet Ajkun, Chiara. Ela se impressionou com o que o bailarino conseguiu desenvolver em tão pouco tempo na dança e lhe ofereceu uma bolsa. O jovem teria que passar 40 dias em NY, período que o visto de turista lhe permite. Caso fosse bem, receberia uma carta de trabalho, teria que voltar ao Brasil, formalizar o pedido junto à Embaixada dos EUA. Assim que conseguisse o ok, teria que viajar imediatamente para cidade americana.
Tudo isso envolve dinheiro e despesas que, para um morador da Cidade de Deus que vive com dificuldades, fica tudo mais difícil. Mas também veio a pandemia e a forma para arrecadar a grana, que são com eventos e venda de comida, também complicou a situação e a ida do jovem de 19 anos ainda em 2020 para lá. O jovem tambem não pode entrar nos EUA por causa da Covid-19.
— A Chiara viu as audições deles e, quando soube das história de como começaram as aulas na CDD, disse que gostaria de cinco dos nossos bailarinos. Mas de imediato afirmou que queria investir no Daniel, que via potencial. Mas veio a pandemia e tudo se complicou. Em junho, ela fez audição online com os atletas e disse que ainda queria o Daniel e escolheu a Gabrielle e a Ana Caroline também. Desde o ano passado, a diretoria passou a me dar orientações do que que deveria melhorar nos treinamentos deles, nas performances e assim estamos fazendo — diz Valéria.
Exemplos dentro da comunidade
As oportunidades recebidas por Daniel, Gabrielle e Ana Caaroline inspiraram outras crianças e adolescentes na Cidade de Deus. Hoje, a Academia Valéria Martins de Dança tem uma lista de espera, e o trio passou a ser reconhecido como "celebridades" pelos moradores. Suas histórias de vida e de dedicação ao balé também alimentam os sonhos de outros jovens.
De uma família de oito filhos, Daniel é o único que conseguiu se formar no Ensino Médio. O bailarino começou a fazer balé há quatro anos, mas chegou achando que teria hip-hop como opção. Fez uma aula experimental, se apaixonou pelo estilo clássico e hoje ensina outras crianças dentro da comunidade. Para Valéria, Daniel não retorna ao Brasil se conseguir se acostumar com os EUA e seguir com dedicação na escola que o convidou.
— Ele não volta. É um garoto perseverante na vida e muito resiliente. Não tem o apoio da família, se vira sozinho e é muito determinado. Luta pelo que quer. O balé não é fácil, a via dele não é fácil. Essa bolsa é mais um obstáculo para ele vencer. Qualidade ele tem, só precisa se focar e agarrar essa chance — elogia a professora, que faz o mesmo com Gabrielle e Ana Caroline.
— A Gabrielle é muito talentosa, é a que tem maior facilidade. Tem o apoio da mãe desde cedo, dá saltos maravilhosos, é muito comprometida e envolvida com a dança. Ela chegou aqui há quase quatro anos. Já a Ana Caroline já pensou em desistir. Parou alguns meses, estava triste e precisava refletir a vida dela. Volto esse ano antes da pandemia. É magrinha, fininha e todos se apaixonam pelo físico dela. Ela me lembra a Ana Botafogo, por ser mais graciosa, tranquila e dança como uma serenidade incrível. A Carol só depende dela mesma.
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